Pensar sobre a morte nos ajuda a viver

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Lições e reflexões para as Empresas Familiares

Ninguém gosta de falar em morte, pensar em morte, lembrar que vamos morrer e que pessoas que amamos um dia vão partir.

Há um mês atrás, recebi a notícia da morte de uma amiga que sempre foi cheia de vida. No mesmo mês um amigo de longa data, 45 anos, tem um piripaque que ninguém sabe ainda o que foi e ficou uma semana internado na UTI e depois do susto passa bem. Semana passada os pais de um amigo, num piscar de olhos, passaram desta vida num acidente de carro. Em questão de segundos não estavam mais aqui neste plano.

Recentemente tive a honra de participar do PROJETO FINITUDES (o nome já nos mostra que não somos permanentes!), organizado pelo SESC Piracicaba onde recebemos a Monja Kelsang Loten que nos brindou com sua presença e nos trouxe um olhar budista sobre a morte. Um projeto lindo que vem trazer luz para um tema que não somos preparados para encarar no mundo ocidental. Abro um parêntese para contar a vocês quem é esta Monja. Uma enfermeira, com voz suave e calma, que transmite energia gostosa e confortante. Uma pessoa do bem que viu de perto doenças, envelhecimento e mortes (acontece todo dia nos hospitais, mas a gente não pensa muito nisso!). Um ser humano que foi buscar um sentido para a vida além de nascer, crescer, trabalhar, envelhecer e morrer. (Acho que também venho questionando o sentido das coisas nos negócios e na vida!)

Resolvi escrever este texto adaptando alguns conceitos para o mundo das empresas familiares. Toda semana tenho contato intenso com famílias empresárias e o termo sucessão ainda é um tabu para ser vencido. Aliás como todos já sabem, não gosto deste termo e prefiro falar sobre continuidade pois muitas vezes ligamos o termo sucessão com fim, com não servir mais, como não ter mais valor. Sucessão não é fim, mas sim o início de uma nova era que precisa da parceria e da união entre as gerações. As famílias empresárias de sucesso entendem a importância das gerações anteriores, valorizam, agradecem e honram tudo que foi construído, mas ao mesmo tempo, geram espaço para as gerações mais novas trazerem ideias, energia e novas visões.

Sempre gosto de reforçar que só existem 2 tipos de sucessão:

  1. Programada/Consciente: Tem a ciência de que é inevitável e começamos a discutir este assunto quando tudo está bem, quando todos estão juntos. Famílias inteligentes são protagonistas, não esperam, se antecipam e se preparam. Evitam conflitos que podem ser evitados, protegem o patrimônio construído, planejam questões tributárias, riscos. Escolhem como querem seguir, envolvem todos os familiares e seguem a jornada cada vez mais fortes.

  2. Não programada/Inconsciente: São pegos de surpresa. Precisam tomar decisões na correria e com as emoções abaladas. Perdem a chance de mitigar eventuais conflitos e acabam pagando fortunas para advogados para tentar resolver algo que poderia ter sido resolvido antes de forma muito mais inteligente e menos dispendiosa.

Conheço muitas famílias que de uma hora para outra perderam o fundador. Sem aviso prévio. Sem preparação. Sem acreditar que isso poderia acontecer. Ignorar a morte ou o fato que seremos todos sucedidos um dia, traz uma grande perda para nossa vida e para as vidas que estão ao nosso redor. Lembrar da morte, saber que somos seres finitos, que nosso tempo tem prazo de validade, nos faz buscar sentido na vida, na família e na empresa. Quando lembramos que não somos permanentes e que a qualquer momento podemos partir percebemos que não vale a pena carregar raiva, ansiedade e preocupações.  Não vale a pena se apegar a cargos, posições, poder, ego, coisas e objetos que acumulamos durante a jornada. Não precisamos mais temer a morte e sim ter consciência sobre a vida.

Quando negamos a transitoriedade da vida, ou achamos que vamos ficar aqui para sempre, a gente se apega às coisas, as pessoas, ao ter, e nos esquecemos do ser. Precisamos encarar esta vida como viajantes e estudantes, sabendo que estamos aqui rumando para algum outro lugar e sempre buscando aprender e evoluir. Uma analogia legal feita pela Monja foi o hotel. Quando viajamos, a gente não se apega ao hotel. Sabemos que vamos deixá-lo. Desfrutamos de tudo, mas com a consciência de que vamos partir. Acho que é uma excelente reflexão para fundadores e sucessores.

Por que a transição as vezes assusta? Porque vivemos no apego, no status, agarrado às coisas, ao reconhecimento, ao que as pessoas pensam sobre a gente. Pensar sobre a morte nos ajuda a viver sem ficar distraído, nos faz questionar o que realmente tem valor e qual LEGADO vamos deixar para as futuras gerações.

Outra reflexão legal foi a analogia entre a vida e o castelo de areia que as crianças constroem na praia. É certo que a onda vai em algum momento chegar e destruir. Tudo vai ficar para trás. Tudo que acumulamos vai ficar por aqui, nada vai junto com a gente. Não é para sentir medo e sim para nos sentir livres. Não precisamos abandonar nossa vida e viver num retiro, mas sim tomar consciência do que realmente importa, do que realmente tem valor. Entender que a vida é rara e preciosa e não vale a pena gastar qualquer minuto com algo que não faça sentido para você. Não vale a pena defender sua opinião a qualquer custo, querer ter razão. Não vale a pena se sentir vitimizado ou carregar mágoas por pessoas próximas que você nunca imaginou que iriam te machucar. Não vale a pena sermos duros com nós mesmos porque a onda vai bater e destruir nosso castelo de areia.

Quando encaramos o desafio de pensar sobre tudo isso, afetamos nosso coração, mudamos nossa mente e trazemos para nosso dia a dia atitudes diferentes. Mudamos nossa postura e nossas ações.

Conheço fundadores que se acham que super-heróis, que nunca nada vai acontecer, que serão eternos. Como seriam nossas atitudes sabendo que nosso castelo de areia pode desmoronar e tudo que acumulamos de uma hora para outra pode desparecer? Refletir sobre isso nos faz repensar nossas ações, nos pressiona a aproveitar mais tudo por aqui, a seguir mais leve, a dar significado para nossa vida.

Demorei muito para entender a diferença entre AMOR e APEGO. Começar uma empresa do zero, fazê-la crescer e chegar onde chegou deve ser motivo de orgulho e não de apego. Fundadores inteligentes entendem que somos mortais como qualquer ser humano, mas a nossa obra pode ser imortal. Quando o fundador se preocupa em construir uma família empresária, a sua obra ultrapassa o limite da sua vida.

Apego nos faz sofrer, nos deixa pesados, nos priva de viver de forma plena e nos traz medo. Medo de não ser querido, de não ter mais status, de perder nossas posses e nossos relacionamentos. Buscamos a todo momento a felicidade fora de nós, através de presentes, dinheiro, outras pessoas. Isso tudo só traz prazer temporário. Segundo a filosofia Budista, a única forma de buscar a felicidade verdadeira está dentro de nós, através de uma vida virtuosa baseada em fé, desenvolvimento espiritual, compaixão, anti-apego , consideração pelos outros e amor puro.

É fácil de comprovar esta ideia quando olhamos algumas pessoas que tem fama, “sucesso”, dinheiro, mas não se encontram, não são felizes. Empresários que construíram um império mas a família se desfez. Objetos de “fora” não tem o poder de nos dar felicidade de verdade. Nossos desejos não têm fim. É como beber água do mar para matar a sede. “Se eu tiver isso ou aquilo serei feliz”, e assim vamos numa busca constante e eterna por algo que não traz felicidade e gera um sentimento de que sempre nos falta algo.

AMOR significa desejar que outro seja feliz, e acaba com ciúmes, inveja, raiva e nos faz entender que não precisamos mais lutar para ter sempre razão. Nos faz entender a importância de desenvolver sucessores, de dar suporte, de ter orgulho em ver gerações mais novas ainda melhores que nós mesmos. APEGO é querermos que o outro nos faça feliz. É quando extraímos felicidade das coisas, mas quando as temos tudo passa.

Para viver uma vida mais plena, leve e gostosa, e construir uma empresa e uma família fortes seguem alguns conselhos que adaptei da palestra da Monja:

  1. Aprecie o outro
  2. Reconheça o potencial e a bondade nos outros
  3. Reduza a mente do apego, raiva e ignorância
  4. Identifique estados mentais e tenha controle sobre sua mente
  5. Encare quem te fez sofrer como um guia espiritual que te deu a chance de evoluir e aprender.

Nossa vida humana é muito rara e preciosa. Somos como atores entrando e saindo do palco, cada vida é uma interpretação. Qual será nosso próximo papel? Difícil adivinhar mas parecer que tem a ver com o que fazemos no palco atual.

Não controlamos as situações mas podemos controlar a nossa mente, decidir como reagir aos fatos e desta forma nos relacionamos com as coisas de forma mais positiva e inteligente. Nossa mente cria tudo! Projeta situações, cenários, julga, enxerga problemas de acordo com nossas lentes e produz sensações. Identificar nossos estados mentais, olhar para nossa mente, controlar nossos pensamentos e entender que não dominamos o que está fora, mas sim nós mesmos é o primeiro passo evoluir.

Quais estados mentais nos deixam felizes, leves e em paz? E quais nos fazem sofrer e geram ansiedade? Precisamos responder estas perguntas e fazer nossas ESCOLHAS.

Ao invés de temer a morte, de evitar conversar sobre sucessão, devemos aprender a viver e nos preparar para passar por este processo de forma consciente, com a mente e o coração tranquilos, resultado de uma vida com significado. Chega de desperdiçar nossa vida com coisas sem sentido.

Thiago Salgado

Fundador da Família S.A.